sábado, 28 de março de 2015

27.03.15

Decidi não participar das festividades de formatura da faculdade. Desculpem-me pela chatice, mas esses rituais aristocráticos não fazem sentido para mim. A ideia de passar um dia cercado de gente feliz reunida, com beijos, abraços, discursos, choradeiras e fotos me dava náuseas. Além disso, não gostava tanto assim de todos com quem estudei para celebrar com eles. Sem mágoas, entretanto. Não faço questão de evitar minha misantropia, mas a hipocrisia sim.


Minha ausência voluntária sequer se deu por questões financeiras, pois na época eu podia bancar se quisesse. Apenas me desagradava pensar que em um pleno dia no Rio de Janeiro, calor dos infernos, eu teria que me vestir com aquelas longas roupas pretas, sem contar o capelo, aquele chapéu quadrado ridículo. Aqui é Brasil. Hogwarts fica lá no Reino Unido. 


Além do mais, sem parecer muquirana, mas já sendo, com o dinheiro que os organizadores cobravam eu podia comprar, dentre outras coisas, um notebook novo. O que acabei fazendo. Não ligo para lembrancinhas. O que passou, passou. Tento não viver preso ao passado. Acredito que é para frente que devemos andar, de forma objetiva. Tanto é que passado mais de um ano, o notebook está presente na minha vida até hoje, já os coleguinhas, não.


Mesmo tendo escapado da festa de formandos, ainda faltava a colação de grau. Decidi ir. Ao menos era de graça e oferecida pela própria faculdade. Algo oficial, útil e não lucrativo para terceiros. Quando chegou o dia, confesso que senti uma dose de nostalgia. Não era exatamente saudade; estavam mais para lembranças, uma série de recortes de momentos que vivi na faculdade nos últimos anos, desde a época em que era calouro e frequentador assíduo até virar veterano e, consequentemente, turista do campus. 


Logo, em homenagem aos velhos tempos, fui com alguns acessórios dos meus tempos de calouro. Coloquei no pescoço uma correntinha barata de aço inox, três elásticos no pulso esquerdo e calcei meu velho All Star, que usava todo santo dia no ciclo básico. Andava tanto com esse tênis, que hoje a sola se encontra tão lisa quanto uma folha de papel, além de ter alguns buracos. Mas como dizem por aí, All Star bom é All Star sujo. Eu gosto é do gasto.


A história dos elásticos é a seguinte. Até onde me lembro comecei a usá-los no pulso no ensino médio. Costumava manter sempre um farto estoque na mochila, pois além de arrebentarem toda hora, devido a fragilidade, eu usava-os para brincar de atirar. Na época eu usava dois elásticos, para indicar que me encontrava no nível dois. Tipo o Luffy do One Piece com o Gear Second e o Goku de Dragon Ball com as múltiplas transformações. Coisas de otaku. Não tentem entender minha subjetividade. Era mais uma bizarrice que só fazia sentido na minha cabeça. A ideia era que quando entrasse na faculdade eu fosse digno de usar três elásticos. E depois que passei no vestibular, assim o fiz.


Voltemos à colação. Ironicamente, fui vestido de preto, mas era só uma t-shirt básica. O engraçado do dia em si é que passei por diversos perrengues e situações típicas da minha era de estudante universitário. No caminho sofri com calor em ônibus lotado, engarrafamento e passageiros sem noção. Na faculdade, fui atendido por funcionários desinformados; tive a companhia de gente tagarela que não se calava, enquanto estava confinado em um ambiente de espera, o qual não podia me retirar; senti constrangimento devido à presença de uma pessoa a qual xavequei e tomei toco no passado; passei por um professor que não gostava no corredor e evitei fazer contato visual com o mesmo; ouvi estudantes bradando em plenos pulmões sobre suas proezas na vida profissional, só para me lembrar que a minha atual é inexistente; vi gente furando fila, ignorando os demais que aguardavam; encontrei colega que via todo dia, mas com quem nunca falei; suportei gente deselegante, capaz de usar um momento coletivo, para tirar esclarecimentos especificamente individuais. 


Foi como se tudo de pior referente a ações humanas que havia visto na faculdade ao longo dos anos fosse resumido em um só dia. Em dado momento, tentar usar meu smarthphone para me distrair de tanto caos, mas ele travou, pela primeira vez. Nem desligá-lo consegui. Foi como se o destino quisesse que eu aceitasse aquilo por uma última vez. O curioso é que apesar de tudo, nem me sentia irritado. Já estava acostumado com tantos embaraços.


Após a espera, chegou o momento da colação. Devo admitir que fiquei um tanto quanto decepcionado. Primeiro porque não encontrei ninguém conhecido. Havia imaginado uma situação hipotética em que alguém que eu conhecesse, surpreso com minha presença pergunta-se “Que milagre, você por aqui?”, ao passo que eu responderia, “Chegou a hora, então por isso eu vim.” Em segundo lugar, imaginava que na colação, se reunissem vários alunos em um auditório ou sala. Porém, contando comigo, só havia quatro formandos. Provavelmente, a colação estava sendo realizada em blocos. 


O pequeno grupo era formado por eu e outra garota, que nunca tinha visto, ambos do mesmo curso, e as outras duas pessoas eram de uma graduação diferente. Uma delas leu o juramento do curso delas e a outra pessoa repetia cada sentença. Do meu curso, eu fui o encarregado de ler, o que achei bem irônico. Foi um fenômeno parecido com as falas do Silent Bob em um filme do Kevin Smith.  Logo eu, o cara mais calado, fazer o juramento. Tudo bem que a concorrência era pequena, mas terminar sendo o “orador” para mim soou engraçado. Mas não foi nada demais. Li algumas frases escritas em uma folha de papel e acabou. Missão cumprida. Oficialmente, era bacharel.


Assim como no dia da colação de grau do ensino médio, sai do prédio da faculdade sem olhar para trás. Fora do campus, enquanto caminhava em uma rua deserta, fui tirando do pulso e atirando para o alto cada um dos meus três elásticos, como balas em uma salva de tiros, em comemoração ao término de mais uma fase da minha vida. Era uma celebração boba e particular, mas imensamente significativa e memorável para mim. Coloquei meus óculos escuros, pus as mãos no bolso, e segui meu caminho. No meu fone de ouvido, o Green Day tocava Working Class Hero, na minha playlist aleatória. Só não teve pôr-do-sol, pois era meio dia. Nem sempre a vida é tão cinematográfica como a gente gostaria que ela fosse.


sábado, 21 de março de 2015

Dias De Ronin

Quando entrei na faculdade me perguntava se estaria empregado ao término do curso. Esse é o objetivo, não? Arrumar emprego? Para isso que passamos anos estudando, prestamos vestibular, e entramos na graduação. Bom, era meu propósito. Queria me formar e após isso poder trabalhar, ser independente, ganhar meu próprio dinheiro, me tornar adulto, enfim trilhar meu próprio caminho. 


Nunca tive ambições acadêmicas. Não queria ser intelectual, nem tinha pretensão de ser chamado de doutor. Era apenas um cara, sem conhecimento técnico sobre nada, que queria aprender uma profissão e arrumar um emprego de nível superior, no qual pudesse trabalhar usando mais o esforço do cérebro do que o do corpo. Sei que um faz parte do outro, mas vocês entenderam o que eu quis dizer.


O tempo passou e o grande dia chegou. Em dezembro de 2014, minhas aventuras universitárias chegaram ao fim, após a defesa da monografia. Missão cumprida. Mas meu objetivo de arrumar um trampo fora conquistado? Não. Tentei, mas não deu. Com a conclusão do curso veio o fim da minha vida de estagiário. Após isso... Bem, na verdade, me encontro neste exato momento. No presente, vivo no mar de marasmo e desesperança chamado desemprego. Sei que não sou o único, mas isso também não me é lá muito confortante. Conheço alguns colegas que estão no mesmo barco. É a história típica de um recém formado, que por falta de vagas no mercado de trabalho sente medo, insegurança e questiona se seus anos de estudo foram em vão. 


Se estou preparado para o próximo desafio? Creio que sim, mas a oportunidade ainda não veio, apesar de procurar por ela. É claro que certos graduandos graças a QI, beleza, sorte, nepotismo, ou, até mesmo mérito, conseguem sair da faculdade empregados. Mas não é meu caso e, obviamente, irei retratar minha experiência. 


Nos primeiros dias de janeiro de 2015, início dessa nova fase, confesso que até curti o ócio devido ao meu cansaço. Estava precisando de umas férias, pois o ano de 2014 foi bastante exaustivo, por conta de estágios e monografia. Tanto é que sequer tive tempo de escrever neste blog. Mas logo os dias começaram a ficar repetitivos e entediantes. Estava sentindo falta de algo.




Inicialmente imaginei que fosse falta de contato humano. Porém, por mais inacreditável que possa parecer, consegui uns encontros com umas garotas. Mesmo acompanhado, algo continuava me incomodando.  O problema não era o vazio da solidão, com o qual já estava acostumado. Sozinho consigo viver, mas entediado não. 




Esse maldito vazio produtivo começou a me incomodar. Uma voz na minha cabeça ficava repetindo em um loop infinito “Give me a mission. I need a mission.”, ironicamente em inglês, visto que não tenho fluência, o que me impossibilita de me candidatar a vagas pró-anglofônicas. Nesse período, tive um sonho em que aparecia uma mulher feliz que me avistava e dizia para me animar e eu respondia "Não preciso de autoajuda, mas sim de um emprego." Pior que o meu eu de carne e osso concordava com sua versão onírica. Logo, precisava fazer algo que me mantivesse ocupado para parar com esses pensamentos em tempo integral, de modo a preservar minha sanidade.



Estava com uma ansiedade tão grande que até tive insônia por um tempo. Se bem creio que isso se devia mais aos dias de calor aqui no Rio do que aos pensamentos constantes em relação a minha situação atual como formado e desempregado. Ou, talvez, fossem as duas coisas. Para solucionar esse problema, comecei a caminhar pelas manhãs. Assim, pelo menos, tinha um motivo para sair de casa e ver outras formas de vida, além claro, de conseguir como benefício manter a forma. Saia tão cedo para caminhar que podia ver o sol nascendo e nisso aprendi que a vida pode ser maravilhosa. Foi uma boa ideia. Gastar toda a energia acumulada me garantiu umas boas noites de sono.


Também desenterrei meu ukulele, que estava empoeirado por um ano, dados os meus compromissos acadêmicos e profissionais. Sozinho, treinei alguns ritmos e aprendi novos acordes, mas música que é bom, nada. Até o momento só sei tocar “Parabéns pra você” e “Brilha brilha estrelinha". Vai demorar até eu poder fazer uns dedilhados que sempre sonhei em fazer.



Já que não sou mais estudante, resolvi também aprender coisas novas com ajuda do YouTube. Afinal, somar novos conhecimentos ao currículo é sempre bom. Ah, e claro, fui em algumas entrevistas de emprego. Afinal quando você esta desempregado todo dia é dia de procurar emprego. Alguns lugares pareciam legais, mas não fui aprovado. Outros não pareciam legais, mas também não fui aprovado. O fato é que a quantidade de vezes em que sai de casa rumo a uma entrevista foi insignificante comparado ao número de e-mails que enviei nos últimos meses. É frustrante não ser aprovado ou chamado.




Por último, minha mais recente atividade anti-ócio foi criar um site, meio que um portfólio, com algumas pérolas da minha vida acadêmica e profissional. Pessoalmente, acho inútil, mas ao menos agora tenho uma página politicamente correta e sem zoeiras para mostrar textos meus discrepantes com o espírito livre que por aqui predomina e que já me colocou em algumas saias justas. Agora, quando algum recrutador me encher o saco pedindo algo que escrevi, mando meu site e pronto: eles tem acesso a tudo que escrevi na vida. Pelo menos o que consegui salvar do limbo dos meus e-mails e notebook.



Estas foram as maneiras que encontrei para preencher meu vazio. Foi o que deu para fazer, considerando minha realidade. Nunca poderia seguir as dicas que certos sites dão para recém-formados, como viajar, aprender idiomas, fazer cursos. Ótimas ideias, mas esquecem que é bem complicado fazer isso sem dinheiro. Pelo visto Lancaster Dodd, personagem de Philip Seymour Hoffman em O Mestre, estava ao sugerir que é impossível viver sem servir a nenhum mestre. Que venha o próximo o quanto antes. Minhas economias estão acabando.



PS: Ronin é um samurai sem mestre.