sábado, 14 de abril de 2012

Bandana Negra

Não canso de dizer que não ligo muito para a minha aparência. Entretanto, admito que em uma época, enjoado da mesmice, resolvi mudar minha imagem. Eu já estava cheio de olhar no espelho o meu rosto inalterável. Ele é praticamente o mesmo desde os 14 anos. A única grande mudança, de lá para cá, foram uns fiapos de barba que surgiram no meu queixo.
Sendo assim, resolvi ir ao Centro comprar umas bandanas para usar na cabeça. Minha intenção era me reinventar um pouquinho, me dando uma aparência mais agressiva para contrastar com a minha constante cara de bobão inocente. Entediado, eu queria parecer rebelde. Logo, a primeira idéia que tive foi usar bandanas na cabeça, para ficar parecido com um pirata.


Infelizmente, acabei não atingindo esse objetivo. Embora ninguém ousasse comentar, eu sabia que estava ridículo. Mesmo assim continuei com a brincadeira. Achei divertido. As bandanas que eu usava davam-me um ar cartunesco. Minha intenção era me parecer com um pirata, mas acho que eu ficava mais com cara de cigano latino do que qualquer outra coisa. Às vezes eu lembrava até mesmo empregada doméstica. Quando usava bandana vermelha eu me parecia com a Tia Nastácia do Sítio do Picapau Amarelo.

 

Coincidentemente, na mesma época (2009), o Théo Becker, da primeira edição do reality A Fazenda, aparecia no programa usando bandanas na cabeça. Juro que não estava imitando ele. Comecei a usar bandana bem antes do programa começar. Além disso, de bandana na cabeça, meu temperamento continuava o mesmo, apesar da aparência. Não plagiei o visual e nem o comportamento do icônico gaúcho.

 

Como já contei em outras oportunidades, o ano de 2009 foi o mais forever alone da minha vida. Portanto eu não tinha feedback algum das minhas ações bisonhas. Eu vivia um vendaval de piadas internas todos os dias. Desempregado, desocupado, sozinho e com uma esperança tola de passar no vestibular, resolvi ir ao cinema para fugir, ao menos por um dia, da rotina de stress e imobilidade que aquele me propiciava.
Para me ridicularizar um pouquinho e me divertir, resolvi ir ao cinema com uma bandana negra na cabeça. Não tentem entender o porquê. Foi apenas uma atitude babaca de um poser querendo chamar a atenção para si.
Ironicamente, nesse dia em que eu tentava chamar a atenção, ninguém parecia me notar. Sério: fui um completo invisível social. Geralmente eu costumo chamar a atenção dos outros, mesmo sem querer, pelos motivos errados. Porém deixarei, por hoje, minhas paranóias de lado. Naquele dia ninguém me lançou um olhar diferente, nem de reprovação tampouco de deboche.
Isso até eu chegar no cinema. Tinha ido ver (desacompanhado, para variar) Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Fui comprar pipoca e a na bombonière havia uma atendente limpando o balcão. Era uma moça bonita: morena cor-de-canela, simpática, sorriso largo, cabelos encaracolados. Ela reclamava baixinho sobre um cliente anterior que tinha feito uma lambança, derrubando refrigerante no balcão. Quando ela me viu olhando para ela com a minha cara de tapado, com bandana na cabeça, ela riu e depois se desculpou. Eu disse que tudo bem e fiquei esperando ela limpar o balcão para me atender. Assim, paguei a pipoca e fui ver o filme. Não ia ficar bancando o cliente chato, dando em cima da menina. Ou devia?
Parece uma bobagem, mas aquele foi o melhor momento daquele meu dia. Valeu mais a pena do que o ingresso que paguei para assistir ao filme. 
Voltei para casa com uma sensação boba de felicidade. Depois fui para o meu cursinho, ainda de bandana negra na cabeça, mas não com uma expressão fechada como de costume. Estava com um sorriso no rosto, mas ninguém se preocupara em saber o motivo. Duvido até que alguém tenha reparado. A bandana negra me deixava invisível. Nem tanto: uma pessoa havia conseguido me ver.
Até hoje eu me pergunto se ela havia rido da minha bandana ridícula na cabeça ou se estava sorrindo para mim. Bobagem. Quem trabalha no comércio sorri para todo mundo.

sábado, 7 de abril de 2012

Areia Movediça

Nessas férias eu sonhei que era sugado por um buraco com areia movediça.


Sei que é praticamente impossível uma pessoa morrer dessa forma, pois um buraco desses raramente tem mais de um metro de profundidade. Para ser sincero eu não sabia disso. Só fui saber, porque me dei ao trabalho de pesquisar depois de ter tido esse sonho. Antes disso, eu pensava que a areia movediça funcionava no mundo real igual nos filmes, em que o corpo das pessoas é completamente sugado por um buraco sem fundo. Tudo culpa da ficção que fica exibindo, erroneamente, os fenômenos da natureza para pessoas ingênuas, ávidas por conhecimento. Tudo em nome do entretenimento. Poucos se safam não ensinando mentiras. Buracos de areia movediça são bem rasos. Não é mesmo, Chapolin Colorado?


Esse foi mais um daqueles típicos sonhos em que você nem se dá conta de como foi parar ali; do nada, já se vê imerso em meio a acontecimentos que já estão rolando. Sendo assim, eu já me encontrava dentro de uma floresta com um grupo de pessoas desconhecidas. Mal havia começado o sonho e elas já estavam partindo. Embora eu não reconhecesse nenhum daqueles rostos no mundo real, eu sentia que fazia parte daquele grupo.
Eles decidiram partir. Eu por uma estranha razão, embora pertencesse ao grupo, decidi ficar mais um pouco. Assim, eles partiram sem mim. Comecei a andar sozinho pelos arredores e poucos instantes após a partida deles, tive a infelicidade de cair dentro de um buraco de mais ou menos 15 metros. Lembrei-me até de um certo filme...


Para piorar a situação, no fundo do buraco havia areia movediça. Apavorado eu me mexia bastante e ia afundando cada vez mais. Também, por uma estranha razão, resolvi não gritar por socorro. Embora ainda houvesse a remota chance de algum retardatário ainda estar por perto, eu não gritava de jeito nenhum. Sequer cogitei em fazer isso. Tive uma epifania e simplesmente parei de me mexer. Fiquei lá parado, olhando o sol brilhar pela última vez, esperando o inevitável. Rendi-me ao meu trágico destino. Ia morrer lentamente. Com as narinas entupidas de areia e com a cabeça completamente imersa, fechei meus olhos e quando os abri, me surpreendi. Como que em um passe de mágica eu estava novamente no topo do buraco, olhando-o para baixo. Percebi que na verdade, eu nunca havia caído. Tudo não passava de uma ilusão dentro do meu próprio sonho. Então, dei meia volta e saí correndo atrás do grupo, que já havia partido.
Engraçado como funcionam as coincidências. Quando tive esse sonho, eu estava ouvindo bastante a banda Alice in Chains. Identifico-me muito com as letras melancólicas, angustiantes e porque não, depressivas deles. Principalmente do álbum Dirt. Nesse mesmo álbum, tem uma música chamada Down in a Hole cuja letra fala justamente sobre estar sozinho dentro de um buraco, se sentindo pequeno, perdendo sua alma, etc. As semelhanças vão muito além das coincidências. Se eu nunca tivesse ouvido essa música eu teria tido esse sonho medonho? Aposto que não.


Ou talvez esse sonho possa ter sido uma metafora, tentando me dizer que o meu blog tematizado com areia vai acabar sendo minha ruina. Acho que não. No sonho a areia era amarela. A areia azul é inofensiva.
Mas a pergunta crucial, que até agora me faço, é outra. Porque o meu inconsciente se entregou tão facilmente à morte? Isso não é bom. Pelo menos o meu eu onírico não cogitou o suicídio. Ele preferiu ser sepultado vivo. Isso sim é ser original...

sábado, 31 de março de 2012

Delocco Por Toda A Vida

Não sou tão pretensioso a ponto de escrever um ode a mim mesmo aqui hoje, como o título pode sugerir. Isso seria prepotência demais, até para um egocêntrico cara-de-pau como eu. Só achei que estava na hora de compartilhar com o mundo um pensamento que tenho desde os 17 anos. Nada extraordinário, somente particular. Tudo começou com uma frase solta: “Delocco por toda a vida.”
Na época nem mesmo eu sabia o que estava querendo dizer com isso. Eu era apenas um jovem adolescente perdido, cheio de medo e indefinições, buscando se definir. Estava em busca de pensamentos, ideologias e códigos de conduta para me auto-afirmar. Talvez, naquela época, eu não tenha feito as melhores escolhas possíveis para o meu futuro. Isso se reflete hoje no meu comportamento e certamente terei mais dificuldades adiante pela vida, mas enfim... Não me envergonho das minhas escolhas.
As circunstâncias para o surgimento da frase na minha cabeça foram parecidas com as que deram inspiração a Manuel Bandeira escrever o seu famoso poema “Vou-me embora pra Pasárgada”. Como conta o poeta, “num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: Vou-me embora pra Pasárgada!”. A diferença é que ao invés de me inspirar para escrever uns versos como ele, tive uma epifania na qual tornei oficial meu estilo de vida esdrúxulo. Uma simples frase sem nexo, avulsa e aleatória serviu para inaugurar um pensamento, uma maneira de viver. Quem diria... Parece até coisa de dadaísta.


Ainda não fui muito objetivo na minha explanação. Deixe-me contextualizar as coisas. Primeiramente o nome. Delocco? Sequer é meu sobrenome de verdade. É um nome inventado. Pelo que me lembro, a única menção anterior que tenho desse nome vem de um personagem (De Loco) do jogo Skies of Arcadia, numa matéria que li numa revista de videogames. Meu subconsciente deve ter gravado o nome por tê-lo achado interessante. Além de possuir uma latinidade, o nome tem toda uma atmosfera insana por trás dele, que convenhamos, acho que combina muito comigo.


Delocco lembra loucura. E quem são os loucos? São aqueles que contradizem a razão. Pessoas sonhadoras, marginalizadas pela sociedade. Admito: estou sendo romântico demais, definindo os loucos desta maneira. De fato, existem pessoas loucas de verdade nesse mundo. Os manicômios não me deixam mentir. Mas há aqueles loucos que não verdade não são “loucos”: são apenas injustiçados. Incompreendidos por pensarem de forma diferente da hegemonia e por quererem romper com a rotina e com tudo aquilo que está pré-estabelecido.


Pode até não parecer, por causa da minha visível timidez, mas eu tento fazer isso sempre que posso. Refiro-me a agir diferente. Penso que o mundo, mais do que nunca, precisa de gente diferente. Não só de aparência como de pensamento. Tudo está certinho demais, padronizado demais e isso me irrita muito. Cada um devia agir de uma maneira diferente, ter sua própria personalidade e não simplesmente repetir ações e tendências que, digamos de passagem, sequer compreende. É o chamado modismo.


É aí que me coloco de “mártir” agindo de forma bisonha no meu simplório cotidiano. Meio que tento ser um símbolo para inspirar outras pessoas. Não a agirem como eu, mas a agirem como elas mesmas.
Novamente estou sendo muito romântico. Perdão. Não me esqueci da realidade. Vamos  à aplicação do “Delocco por toda a vida” no mundo real. Sei que a minha vida seria bem mais fácil se eu me rendesse e agisse como todo mundo que me cerca. Certamente, se fizesse isso, eu teria mais amigos, acompanhantes nos fins de semana e conseguiria empregos com mais facilidade. Se eu gostaria de ter tudo isso? Sim. Mas acho que é um preço a se pagar. Abro mão de certas coisas em nome de uma ideologia que ninguém me obriga a obedecer. Nem sei bem porque faço isso. Apenas sinto que alguém tem que fazê-lo.
Mas afinal o que define um Delocco?
Na verdade várias coisas. Impossível por tudo em um texto, mas valendo-me de algumas frase soltas, tentarei fazê-los captar ao menos a essência, o espírito da coisa.
Ter um comportamento misantropo na maior parte do tempo (e não antissocial como alguns insistem em dizer). Ter a postura do faça-você-mesmo. Ser você mesmo. Lutar por aquilo que acredita, mesmo estando completamente sozinho. Simplicidade. Sinceridade (muitas vezes, beirando ao cinismo). Rir das próprias piadas. Rir da própria desgraça. Jamais fingir ser o que não é. Desvalorizar o alpinismo social, mesmo nascido pobre. Não se deixar intimidar por posses culturais e materiais dos outros. Não mudar a própria maneira de ser, independente do lugar que frequenta e das pessoas que o cercam. Viver sentindo uma liberdade anárquica no seu coração que na verdade só lhe aprisiona.
Isso é ser Delocco.
Não me orgulho nem me envergonho da escolha que fiz. Admito que é difícil, mas ao menos me divirto. Se me chamam de gordo e me mandam ir para uma academia, por exemplo, eu levanto a camisa e sacudo a minha pança, provocando algumas risadas.
Não sei o que vai me acontecer daqui para frente. Afinal eu não prevejo o futuro. Só quis deixar um registro para o que acontecer de agora em diante. Seja lá o que for. Não sou imutável e eterno perante o tempo. Porém minha essência continuará a mesma. Assim espero. Esse é meu lema. Delocco por toda a vida. Doa a quem doer. Nem que seja eu mesmo.

PS: Escrevi esse texto para aqueles que me vêem atualmente e que possam pensar que estou mudado. Na verdade, até aceito isso. Só não me acusem de ser vendido. É apenas aparência. Eu preferia andar nu a usar trajes sociais nesse calorão do Rio. Pensando bem, eu preferia andar nu de qualquer jeito...