segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Termo Unidimensional

Conheci o termo unidimensional assistindo um filme de comédia. Talvez eu já tenha me deparado com a palavra unidimensional antes, mas creio que nessas oportunidades nunca lhe prestei a atenção adequada. Vendo o filme despretensiosamente, enfim pude captar direito o sentido dessa palavra. Ele se chamava Waiting... e aqui no Brasil, foi lançado com o título A Hora do Rango. Para definir o filme usando poucas palavras, posso dizer que ele é uma comédia B ambientada em um restaurante. Nada de mais, apenas mais um besteirol americano como tantos outros que assisti. Pelo menos cumpriu sua missão. Fez-me rir em alguns momentos.
Em uma das cenas o personagem Bishop, interpretado pelo grande Chi McBride, diz a dois colegas de trabalho do restaurante que eles eram muito unidimensionais. Tais rapazes faziam um tipo bem comum no Estados Unidos: garoto branco com pinta de rapper. Aposto que a imagem do Eminem apareceu na cabeça de vocês. Não estou me referindo a ele e nem desejo criticá-lo (admito: curto muito o seu som), mas para uma melhor compreensão podem usá-lo como referência. Aí já dá para imaginar como eles se comportavam durante o filme: usavam roupas largas, viviam chapados e usavam aquele linguajar típico dos manos do hip-hop. Bishop que era meio que o guru espiritual, o cara sábio do grupo, sintetizou tudo. Eles eram de fato bastante unidimensionais.


Meu interesse aqui é associar o termo unidimensional ao comportamento humano. Logo, usarei esse poderoso adjetivo somente para qualificar pessoas. Dadas as devidas justificativas, vamos a brincadeira.
Comecemos pela terminologia. Unidimensional, uma dimensão. Uma pessoa unidimensional é aquela que vive numa só dimensão, num só mundinho. No exemplo citado, os dois caras estavam o tempo todo com a cabeça voltada ao universo do rap. Minha crítica não está no fato dos caras serem brancos e gostarem de rap. Eles podiam até ser negros, não faria a menor diferença para o assunto que pretendo tratar. Critico apenas o comportamento unidimensional o tempo todo. Só falar daquilo, viver daquilo, respirar aquilo. Nada contra, mas acho que o mundo consegue ser bem maior do que a cultura que um gênero musical específico tem a oferecer. Inúmeras dimensões nos são oferecidas. Dimensões que valem a pena serem exploradas. Para que ficar presa a uma só?


Revelarei um desejo meu: pretendo estudar Psicologia algum dia só pra compreender melhor a alma humana. Apesar de não gostar muito de conviver com as pessoas sou bastante curioso a respeito delas. É por isso que me pareceu interessante discutir sobre comportamentos unidimensionais. Não estou livre disso porque já apresentei esse tipo de comportamento em algumas ocasiões. Mesmo assim, não me considero uma pessoa unidimensional. Não de forma integral. Abomino a unidimensionalidade permanente. Tanto é que já havia reparado que não gostava do comportamento contínuo de algumas pessoas, muito antes de assistir ao filme e prestar atenção nesse adjetivo. O problema é que meu pensamento de repúdio dispersava-se rapidamente por falta de um termo que definisse as situações.
Há tempos eu me incomodava com pessoas que agiam sempre da mesma maneira. Falavam sempre sobre os mesmo assuntos. Conversar com esse tipo de gente me dava uma sensação esquisita de déjà vu. Apesar disso, eu não encontrava uma palavra boa o suficiente para defini-las. Sentia uma certa vergonha dessa minha limitação gramatical. Eu devia ler mais coisas além de quadrinhos e filmes (pornôs) legendados.


Com o termo unidimensional no meu banco de palavras é possível agora, lançar a minha teoria. Ela é aberta, incompleta, inacabada e certamente algum estudioso sabidão já deve ter elaborado um estudo detalhado sobre o assunto. Mas isso não me impede de dizer o que acho, usando apenas as minhas singelas observações de mundo. 
O que não falta é gente unidimensional no mundo. Não sou nenhum gênio por sacar isso. Basta olhar em volta ou lembrar direito de algum conhecido. Duvido que só eu tenha tido um amigo que fala o tempo todo sobre o clube do coração. Ou um que só se interessa por desenhos animados. Que chega até a decorar o tema de abertura dos seus animes prediletos. Os exemplos são variados. Em comum, eles têm o fato de que essas pessoas vestem a camisa dos seus gostos particulares continuamente. Chega uma hora que ela começa a feder, afastando quem está em volta.


Voltarei a usar o exemplo dos rappers do início do texto. O rap se enquadra na categoria música. A música é uma das maiores formadoras de comportamentos unidimensionais no planeta. Estilos musicais distintos moldam comportamentos distintos. Projetam personalidades. Todo mundo conhece um amigo que é aficionado por uma única banda ou gênero musical. Se falarmos perto dele de outra banda ou estilo musical diferente ele já torce o nariz e tenta mudar de assunto, puxando a sardinha para o seu lado, ou melhor, para o seu interesse. Estou aqui no planeta Terra desde os anos 90. Nesse pouco tempo de existência já pude perceber que de vez em quando surge uma modinha musical capaz de proporcionar comportamentos unidimensionais na juventude desmiolada, acrítica e sem personalidade. Já presenciei a época dos pagodeiros, dos micareteiros, dos sertanejos universitários, dos emos de cabelo lambido, dos emos de calça colorida...
Não podia deixar passar a oportunidade de criticar aqui algo que sempre me incomodou muito: comportamento unidimensional nas escolas. Usarei-o como exemplo para falar como um determinado lugar pode invisivelmente direcionar as ações dos seus frequentadores. Algo que sempre me incomodou em instituições de ensino são as infinitas conversas relativas ao ensino. As garotas principalmente vivem iniciando papos chatos sobre tarefas, notas, provas e testes. Os momentos que mais odeio são as ocasiões pós-prova em que as CDFs ficam relembrando todas as questões, como se isso mudasse o resultado final. Tudo bem conversar de vez em quando sobre o ato de estudar, mas fazer isso o tempo todo é um saco mesmo estando num lugar dedicado ao estudo. Me pergunto porque não variar os assuntos pra variar. Serviria para descontrair, aliviar a cabeça. A conversa paralela é boa de vez em quando. Nem sempre ela é um problema. As pessoas deviam parar de se prenderem tanto aos lugares e atividades em comuns na hora de conversar.         

      
Ser unidimensional é se ver limitado por um só interesse, meus caros. Quando o próximo desconhece esse interesse ou simplesmente não se interessa por ele a conversa se torna improdutiva e corre o risco de se encerrar logo. Dependendo da paciência de um ou de outro se encerra até a amizade. Portanto amiguinhos, se algum dia eu lhes chamar de unidimensional, saiba que não estou lhes fazendo um elogio.
Não sei se sou eu que sou rabugento, mas às vezes acho uma chatice esse discurso de afirmação pessoal. É até legal, mas não o tempo todo. Fazer parte de um grupo é bom para a construção da identidade, mas não se deve viver preso integralmente a sua “tribo”, como os professores de Geografia gostam de dizer. Agindo assim corre-se o risco de não ser compreendido ou até mesmo de ser ignorado.
É por isso que pessoas interessantes para mim são aquelas que são imprevisíveis. O privilégio de se conviver com esse tipo de gente é que a qualquer momento elas podem aparecer com algo novo a ser dito ou mostrado, coisas que às vezes não se relacionam diretamente com o lugar que frequentamos, mas que mesmo assim conseguem se mostrar interessantes. Não sei se sou uma pessoa assim, mas tento ser. É por esse motivo que digo tantas frases soltas e incoerentes. Corro o risco de parecer louco, mas acho que a imprevisibilidade sempre vale a pena. Entre o imprevisível e o unidimensional previsível, prefiro a primeira opção.