sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Charme Feminino

Era uma manhã de domingo. Saí de casa para esticar as minhas pernas e fui vagando pelas ruas da zona norte, sem um destino específico. Costumo fazer muito isso. O dia de domingo é um pesadelo para um misantropo que nem eu: a casa cheia me faz sentir sufocado. A solução é sair andando pelas ruas, gastando a sola do tênis. Só retorno para casa quando sinto que as minhas pernas estão cansadas.
Nesse dia passei pela Quinta da Boa Vista, Maracanã, Uerj, Vila Isabel e acabei chegando até as proximidades do Shopping Iguatemi. Estava no outro lado da rua quando vi uma mulher andando pelas calçadas do shopping. Ela era loira, aparentava ter uns trinta e cinco anos e mesmo estando um pouco acima do peso ainda conseguia ser atraente. Fazia o tipo tiazona de academia. Usava óculos escuros, blusa estampada e calça de ginástica preta, do tipo “enfiada”. Deu pra sacar?


No momento em que a vi, imaginei que ela iria tentar entrar no shopping, mesmo estando longe da entrada. Isso acabou acontecendo de verdade. Como que por encanto adivinhei as pretensões dela. Acontece: às vezes sou capaz de adivinhar o futuro. Ela abriu a porta e se deparou com um segurança. Pensei na hora que ele iria barrá-la gentilmente, mas não: ele permitiu a entrada dela. Não deu para ouvir o diálogo entre os dois, mas pude perceber que ela não era uma funcionária do shopping. Ela havia entrado sem ter mostrado qualquer tipo de identificação e as roupas dela, convenhamos, não eram roupas que uma pessoa usa no trabalho.
Não sei qual é o horário de funcionamento dos shoppings nos domingos, mas duvido que ele esteja aberto a visitantes durante as primeiras horas da manhã. Sei disso por experiência própria. Na verdade esse caso só chamou a minha atenção por causa dessa minha experiência anterior. No momento em que vi a cena não pude deixar de puxar a memória e fazer uma comparação com um evento semelhante que me ocorreu.
Era domingo também. Mais ou menos umas nove da manhã. Eu estava perto do Shopping Rio Sul. Deu vontade de mijar e então resolvi entrar no shopping para usar o banheiro. O segurança me viu entrando, me cumprimentou e perguntou educadamente o que eu queria. Falei que queria ir ao banheiro e ele disse que eu não podia passar: o shopping ainda estava fechado. Tudo bem. Levei numa boa (o cara de modo algum me tratou mal) e saí de lá, mas não pude deixar de pensar: se fosse uma mulher, ele deixava passar. E semanas depois, em outro cenário, isso acabou ocorrendo...



E não para por aí. Tenho outra história comparativa, que trata de diferenças de tratamento entre homem e mulher. Mudemos o cenário do shopping para o de uma sala de aula de um curso. Passei onze meses lá. Raramente eu ouvia um "oi" de um ser humano, tanto de homem quanto de mulher. Lá, aparentemente, todo mundo já se conhecia antes: eu era o “estranho” no ninho e pelo visto, ninguém tinha o menor interesse pela minha amizade. Tudo bem que ela não vale nada e não tem serventia alguma, mas eles não sabiam disso. Bem que podiam ter me dado uma chance; afinal eu estava em desvantagem numérica e isso é sempre assustador. O tempo foi passando e eu acabei nem ligando tanto pra isso; fui me acostumando com os seus rostos imóveis e indiferentes a minha pessoa.
No meio do ano apareceu uma garota nova. Ela era morena, bonita, jovem. No mesmo dia, de longe pude perceber vários garotos sorridentes se aproximando dela para se apresentar e as meninas não ficavam atrás, dispondo-se  a enturmá-la no meio delas rapidamente. Bom observador que sou percebi que o comportamento dela era introspectivo, semelhante ao meu. O que me fez pensar que o problema talvez estivesse em mim. Igual no futebol: é mais fácil culpar um técnico do que um time todo.


Não. Não era um problema comigo. Era uma questão de gênero. Algo maior do que eu. Sou homem. Apenas mais um homem, entre tantos. A sociedade espera de mim um determinado comportamento por isso, algo que às vezes não sou capaz de desempenhar satisfatoriamente. Sendo homem, espera-se que eu chegue falando, me apresentando as pessoas, mostrando presença, dominando a situação. Não fiz isso na época e hoje estou aqui reclamando. É a tal da famosa pró-atividade. Talvez por isso as mulheres não chegaram perto para conversar comigo. Sei lá porque isso acontece, mas as mulheres possuem um comportamento receptivo demais e na maioria das vezes, esperam a iniciativa por parte dos homens. Sendo assim elas permanecem paradas com cara de paisagem, jogando o cabelo pro lado, esperando que o homem tome alguma atitude. Fala-se muito em liberação feminina, mulher moderna e independente etc, mas a passividade feminina nas relações sociais ainda perdura, mesmo numa cidade moderninha e liberal que nem o Rio de Janeiro. No meu conhecimento de mundo vi raras exceções e adorei presenciá-las. Não me importo e nem julgo quando uma mulher que não conheço vem falar comigo, pelo contrário, incentivo esse tipo de comportamento. De forma alguma tomar a iniciativa significa ser uma mulher vulgar, atirada, oferecida. Não aos meus olhos pelo menos. Se as coisas fossem sempre assim, o mundo seria bem mais divertido.
E quanto aos caras... Eles estavam, no curso em questão, interessados somente em chegar nas meninas. Deviam estar me vendo como apenas mais um concorrente, um obstáculo para as suas conquistas. Está aí outra questão de ser homem: a permanente competitividade entre nós. Não nego que ela exista, mas quando possível evito entrar nesse tipo de joguinho de quem é mais homem, quem pega mais mulher etc. Foi o que fiz naquela ocasião. Assim sendo, chance zero de construir uma amizade sincera num ambiente daqueles.


Chegou a hora do momento conclusivo. Em primeiro lugar, quero dizer que não sou misógino. Adoro as mulheres, embora elas vivam me sacaneando. Essas histórias que contei hoje são apenas observações pessoais que vi se repetirem algumas dezenas de vezes ao longo da vida. Os ambientes podem até mudar, mas as histórias se repetem. Somando tudo dá para tirar uma conclusão panorâmica sobre o assunto. Não dá para negar o fato de que ser mulher permite algumas facilidades no dia a dia, seja nas prestações de favores ou nos rituais de socialização. A rapaziada adora ser gentil e prestativa quando se depara com uma gostosa que quer impressionar. As mulheres, como não são bobas, aproveitam bem isso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quando A Esmola É Demais O Santo Desconfia

Terei que adiar mais uma vez a história que iniciei na semana passada. Incrível. Os assuntos estão surgindo contra a minha vontade. Desta vez a história tem um quê de denúncia, com ares de especulação, suspeita e desconfiança. Com a premissa já feita, relatarei o ocorrido. Leia e tire suas próprias conclusões.
Durante a semana que se passou meu avô apareceu aqui em casa com um folheto informativo, daqueles repletos de cursos profissionalizantes de áreas diferentes. O folheto não era propaganda de um curso pago em mensalidades, pelo menos não aparentava ser. Ele tinha ares de projeto beneficente, solidário etc. Nele continha todo esse repertório de palavras bonitas que o pessoal da ONU adora utilizar em seus discursos.


De todos os cursos oferecidos, o de inglês me chamou a atenção. O conhecimento de uma língua estrangeira é quase indispensável se você quiser ingressar no mercado de trabalho em profissões tipicamente burguesas, ou seja, não braçais. Embora eu tente fugir disso, o jornalismo se enquadra nessa categoria. Afinal de contas um repórter não tem que carregar piano. Grande parte das profissões aprendidas em faculdade para serem exercidas exigem mais do que o diploma que é conquistado ao término do curso. Daí a necessidade de se fazer cursos extras, como o de línguas, para se adequar às exigências do mercado de trabalho. Enfim sentimos na pele aquele discurso de qualificação profissional que tanto ouvimos falar nas aulas de Geografia.
Embora eu me considere um dominador razoável da língua inglesa, me apresentar assim não me serve para nada em uma entrevista de trabalho, ou melhor dizendo, não convence. As empresas se sentem mais seguras em relação a um candidato que apresenta um certificado de conclusão de um curso de línguas; isso dá credibilidade à habilidade linguística do candidato. Daí o meu objetivo de fazer um curso só de fachada, só para dizer que fiz. Nunca tive dinheiro para fazer esses CCAAs, Brasas, e Culturas Inglesas da vida. Meu aprendizado em inglês deu-se através de videogames jogados ao longo da vida e filmes legendados. Os pornôs serviram para complementar, oferecendo-me a oportunidade de ouvir o seu vocabulário informal típico.


Interessado no curso de inglês decidi aparecer por lá. No folheto dizia que maiores informações seriam dadas no local, na sexta e no sábado sem a possibilidade de prorrogação da oferta. Resolvi dar uma conferida no sábado, duas horas antes do horário em que o atendimento se encerrava.
Chegando lá, desembolsei meus documentos de civil para aquele ritual característico de cadastro. Para o quê eu nem sabia. Nem havia necessidade disso. De tanto recitar meus números de RG, CPF e CEP, acabei os decorando de cabeça. Finalizado o processo a gentil recepcionista me pede para aguardar por alguém que logo iria aparecer para falar comigo. Assim permaneci ali sentado, sem saber para onde olhar.
Enfim chega o sujeito para me atender. Jovem, não combinava com o terno que trajava. Ele se apresenta, aperta a minha mão e me pede para acompanhá-lo. Depois de mostrar as instalações do lugar ele me leva até a sua mesa. Começa a fazer uma encenação boba típica de vendedor. Mostra primeiro os preços cobrados de um aluno regular inscrito no curso, sem direito a benefícios. Depois disso ele mostra a minha situação. Supostamente eu teria direito a um benefício por ter trago o tal folheto beneficente comigo.  Escreve numa folha de papel os mesmos valores de taxa de inscrição, mensalidade e material didático cobrados de um aluno regular. Corta os dois primeiros valores e os substitui com zeros para tentar me impressionar. Restava então só o valor do material didático, comprado todos os meses por 267 reais. Ele inventa uma promoção em que diz que irá dar “para mim” um desconto de 50%.


Realmente parecia uma oferta interessante. Mas tinha algo suspeito ali. Eu tinha aparecido no lugar só para saber as condições da oferta e do funcionamento do curso e o cara já queria que eu assinasse um contrato. Também achei estranho o sistema de multas e de desligamento de curso. Se eu atrasasse o pagamento um dia sequer, o desconto de 50% era cancelado até o término do curso e se durante os 3 anos de curso eu resolvesse desistir teria que pagar uma multa de 30%. De quê eu não sei. Provavelmente 30% do valor total de todas as mensalidades que ainda pudessem faltar pagar. Deixei-o continuar falando para ver se eu tinha entendido algo errado. Isso porque até o momento ele sequer havia tocado no assunto que tinha me trago ali: no folheto dizia que eu teria direito a um benéfico mensal de 90 reais. Perguntei a ele à respeito disso. Aí ele se enrolou e tentou me convencer de que esses 90 reais já estavam sendo descontados daqueles 50%. Não acreditei. Achei suspeito de novo. Foi a gota d’água que me fez querer dar meia volta e sair dali.
Desculpei-me, fingi-me constrangido e disse que a oferta não daria pra mim. Senti-me mal por ter feito o cara se empolgar, se dando o trabalho de anotar meus dados e ter pegado a papelada toda à toa. Mas por outro lado eu como falido pensei bem: não ia ter como eu pagar de qualquer jeito, ia acabar sobrando pros meus pais. O preço da mensalidade apesar de acessível não seria pago por mim. Além do mais vale lembrar que sequer tive a oportunidade de discutir o assunto com eles e considerando o caráter extraordinário da promoção, eu tinha que dar uma resposta ali na hora. Desse jeito, com essas condições, decidi não assinar nada. Não sou maluco de assinar um contrato de uma coisa que eu sequer ia ser o responsável pelo pagamento. Não duas vezes...
Na ultima tentativa desesperada ele disse secamente que iria dar minha vaga para outra pessoa, meio que tentando fazer um joguinho psicológico comigo, no sentido de eu estar deixando escapar uma oportunidade valiosa. Mais do que nunca me veio à cabeça a imagem do lobo em pele de cordeiro. Não quis ficar ali para ver a sua próxima artimanha. 


Posso até estar enganado e ter perdido uma boa oportunidade de me aprimorar à um preço acessível. Mas tive o pressentimento que tinha alguma coisa cheirando mal ali. Senti que ali rolava algo fraudulento; que era um esquema esquisito para ludibriar pessoas desatentas, ou se preferir, uma propaganda enganosa com ares de projeto beneficente. Por esses motivos tenho o sentimento de que por pouco não caí num golpe, mas isso pode ser só impressão minha. Quando a esmola é demais o santo desconfia.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Hora E A Vez Do Gari

Hoje pela manhã eu já havia preparado metade de um texto para publicar aqui no blog. Pretendia terminá-lo à tarde depois que voltasse da aula, porém acabei me deparando com uma pessoa dentro do ônibus, um personagem digno de destaque para uma crônica. Considerei-o mais interessante do que o tema que norteava o texto que eu havia escrito pela metade, então resolvi adiá-lo para semana que vem, começando este texto do zero. Meu bom senso me disse que a hora e a vez pertenciam à outra pessoa. Sem mais delongas, vou me reter, desta vez, apenas a descrever a cena, mostrando a realidade como ela aconteceu, sem dissertações, comparações forçadas, conclusões ou falsos moralismos. Vamos aos fatos.
Manhã de quinta-feira. Dia nublado. Nem queria ir para a aula. Mesmo cedo, eu já me encontrava no meu estado habitual de marasmo. Entrei no ônibus, paguei a passagem e me sentei num banco que ficava no meio. Pouco depois de ter me sentado, começo a ouvir uma cantoria. Logo já fechei a cara e me virei pra janela. O homem sentado no fundão do ônibus cantava um samba, desconhecido para mim. Nada contra o samba: só não gosto de ser forçado a ouvir algo, o que quer que seja, quando me encontro preso dentro de um transporte coletivo, em que supostamente não posso sair. Preconceituoso, já pensei que se tratava de mais um baderneiro querendo chamar a atenção, perturbando a paz silenciosa dos outros. O ônibus foi seguindo seu caminho.
Ouvi o barulho da cigarra e logo depois disso o ônibus parou no ponto. Uma velha senhora que queria descer pediu pro motorista esperar um pouco. O homem, que cantava, parou de fazê-lo e perguntou a senhora se ela precisava de ajuda. Rispidamente ela recusou e desceu sozinha, do jeito que queria.
O homem que cantava, então começou a falar. Com quem, não consigo imaginar, porque em momento sequer desta história virei meu rosto, fixo na paisagem além da janela, para vê-lo. Sou um fofoqueiro discreto que costuma a atuar em certos casos só com os ouvidos. O homem comenta que as senhoras de idade são muito teimosas. Comparou a senhora que havia acabado de descer com a “velha” de sua casa, de 91 anos, que costuma recusar qualquer tipo de auxílio. Disse que sua intenção era só ajudá-la, porque senão depois ia acabar sobrando tudo pra ele. “É tudo culpa do gari”, ele disse. “A senhora tropeça, cai, se esborracha no chão e a culpa é do gari que estava perto e não a ajudou. É tudo culpa do gari. De quem é a culpa do terremoto no Japão? Do gari é claro!”


O cantor-gari sem dúvida alguma daria um excelente artista de stand-up comedy. Inteligência, personalidade e carisma o sujeito possuía. Empolgado com as risadas das pessoas, deixou de cantar e começou a falar, conversando com quem estava próximo. Disse que não existia samba feito para branca; só tinha samba para preta, por isso, resolveu fazer um samba para uma branca para deixá-la feliz, senão ela ia ficar com ciúmes da outra. Embora casado com uma preta do Jacaré ele tinha uma “outra”, a branca. Disse que as duas se davam bem e que ambas o aguardavam para sua festa de aniversário. O homem, que estava completando 45 anos, ia contando que alternava entre as duas: quando uma estava num dia ruim, visitava a outra e vice-versa.


Desse jeito, com sua simplicidade, alegria e irreverência, ia conquistando os passageiros que permaneciam sentados perto dele. Riam muito e batiam papo. Somente uma mulher se deu o trabalho de se levantar para sentar-se longe, coincidência ou não, exatamente na parte que ele falou que tinha duas mulheres. Foi uma morena alta, bonita, vistosa, vestida como executiva. Só para completar o perfil dela, devo dizer que ela usava salto alto e o seu nariz se encontrava perfeitamente em pé. Prefiro crer que ela tenha feito isso por julgá-lo machista do que por outro motivo. Ainda há gente que se acha melhor do que o povo só por causa do seu emprego e de uma porcaria de diferença salarial. Gente que não que se misturar com a "ralé".


Azar o dela. Com ele o silêncio não durava muito. Assunto não faltava. Falou sobre o trabalho (lixo de rico é igual lixo de pobre: tudo fedorento), sobre como conquistava as mulheres (era passista do Salgueiro e as mulheres adoram vê-lo dançar) e do futebol do dia anterior (jogador de futebol bom se distingue pelo nome que deve ter só quatro letras como Pelé, Zico e Romário... O Roma!). Da janela saudava os colegas de profissão, conforme o ônibus ia passando, e eles o respondiam de forma entusiasmada. Se o conheciam ou não eu não sei. O certo é que o homem estava feliz. Dizia-se feliz.


Próximo ao Obelisco da Avenida Rio Branco, o gari puxou a cigarra para descer no próximo ponto. Despediu-se e disse que ia logo para sua festa de aniversário, porque as mulheres à aquela altura do campeonato, já deveriam estar na portaria do prédio esperando-o, aloprando o porteiro. Enfim ele saiu do ônibus deixando um vazio perceptível. O ônibus retornara à aquele estado silencioso de sempre, em que todos, estranhos para todos, não se falam e nem se importam com o bando de desconhecidos que o cercam. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Ira Dos Vinte Anos Parte II

Meu aniversário é no dia 10 de setembro. Para mim essa época é sempre um momento de reflexão. Ano passado na época do meu aniversário escrevi um texto intitulado “A Ira Dos Vinte Anos”. Agora aqui estou escrevendo a segunda parte. Sei que vocês devem estar pensando que o correto deveria ser vinte e um anos. Tenho noção de que em breve oficialmente estarei um ano mais velho. Não sou como o Freddy Adu que há uma década diz ter vinte anos. Terei vinte e um anos com muito orgulho. Encare os “vinte anos” do título não como a minha idade atual, mas como um período que vai dos vinte até os vinte e nove anos, a década da minha juventude ou mocidade, se preferir. A pergunta que faço um ano depois é se ainda há motivo para ira.


Recapitulando o texto do ano anterior, eu disse que o motivo da minha ira eram as coisas ruins que frequentemente me aconteciam até então. Sentia-me irritado por me dar mal o tempo todo, tal qual um personagem caricato de série ou desenho animado, que a cada episódio é vítima de uma calamidade diferente. Isso ocorre por um só objetivo: fazer o público rir. Funciona. Desgraça de um, alegria dos outros. Como diria o Tim Maia “Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri”.


Andei pensando nos últimos dias sobre o que atualmente ainda me deixa irritado. Essa explicação que dei ano passado não cola mais. Tantas vezes ao longo do ano eu disse que me ferro, mas me divirto. É verdade. Divirto-me porque levo a quem quer que esteja lendo minhas humildes e singelas experiências de vida, histórias verdadeiras, cômicas, porém reais, sem a necessidade de fazer impressionar. Rir. É disso que as pessoas precisam. Do jeito que posso tento fazer a minha parte. Mesmo explorando a minha própria desgraça.
Meu pensamento mudou. O motivo que tenho para me sentir “irado” (irado no mal sentido e não no irado cool) em relação aos meus vinte anos é o de que sou jovem, mas não aproveito a vida da forma que eu gostaria aproveitar. E tenho consciência de que a juventude não é eterna. Sinto os finais de semana passarem inaproveitados, os rostos ao meu redor envelhecendo (o meu por genética continua o mesmo há anos!), minhas pretendentes antigas ingressando em relacionamentos sérios... Lógico que tenho minha parcela de culpa nisso. De não aproveitar a vida e só olhar ela passar.


Adoro ser um observador do mundo. Só que de vez em quando é necessário não só olhar. Deve-se mostrar presença e não só reclamar consigo mesmo, como sempre faço, esperando que alguém venha com uma solução mágica para os meus problemas. Ou que se interesse por eles. Quer algo? “Vá atrás”,  é o que dizem. Só que nisso, a lealdade que tenho em relação a minha personalidade interfere em certos momentos. Eu diria que ela até prejudica. É como se eu andasse por aí com um livrinho de regras iguais aos dos Padrinhos Mágicos, que me impede de fazer certas coisas. Isso para a minha “própria proteção”. Até que nisso aí, neste último ano, venho tendo um desempenho satisfatório. Não há necessidade de proteger-se dos outros o tempo todo. Enfim caiu a ficha de que as pessoas não lêem mentes e nem advinham pensamentos. Se há algo a dizer diga. Assim pude ter coragem para resolver alguns assuntos pendentes do passado, botar a cara à tapa de vez em quando, dizer “Não” para certas coisas etc. Nenhum feito digno do Super-Homem, mas mesmo assim bastante consideráveis para um mero terrestre introvertido sem superpoderes.


Mas não é só o lado afetivo. O relacionamento e o trato com as pessoas. Há o aspecto econômico da coisa, que até o presente momento não consegui resolver. Acredite, esse problema é bastante significativo. Nesse mundo não se faz nada sem dinheiro. Ninguém vive de favores. Não dá para desconsiderar que essa forma de vida te faz sentir impotente. Menos homem. Odeio dinheiro, mas preciso dele e continuarei precisando, a não ser que o escambo algum dia volte à moda. Certamente algum dia a coisa toda vai melhorar, mas o "agora" está tenso, eu diria até que insuportável. É o "agora" que estou vivendo. Daí a minha ira e a minha indagação: Até quando?


Até quando isso vai durar? Vai dar tudo certo? Aos trinta, certamente irei ter uma resposta. Até lá buscarei alcançar a felicidade, usando todas as forças ao meu alcance, sem prejudicar ninguém, é claro. Se até aos trinta eu não conseguir, desistirei de procurá-la e me conformarei a seguir com a vida medíocre, que até agora venho tendo. O suicídio está fora de cogitação. A presente ira dos meus vinte anos é isso. Incomodo-me por não usufruir a vida da maneira que eu gostaria. Não sou o único a ter esse problema. Mas acho justo me incomodar com isso. Que esse incômodo seja um ingrediente do processo de mudança, que espero chegar algum dia à minha vida.
Uma nota final. Em relação ao meu aniversário do ano anterior, eu gostaria de agradecer novamente aos que dele lembraram, me felicitando. É bom saber de vez em quando que não sou um fantasma que passa desapercebido pelos outros. Eu mesmo me esqueço que existo às vezes. Mas com uma palavra de carinho, um sorriso no rosto ou com um abraço sincero me sinto vivo novamente. E isso é bom demais. Até a terceira parte no ano que vem. Espero que com boas novidades.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Uma Crônica Cabeluda

O ser humano possui cabelo ao longo do corpo todo. Só que o cabelo da cabeça é especial, diferente do cabelo de outras partes do corpo. É inegável que ele recebe mais atenção nossa. Nele aplicamos diferentes cortes, tinturas, tratamentos, tranças, apliques, brilhos, massagens etc. Tudo isso faz parte da vaidade humana, a qual é predominante a vontade de se exibir para o próximo. Todo mundo gosta de ser notado e um cabelo bacana ajuda nisso. O cabelo serve como um cartão de visitas; ajuda a construir uma boa imagem pública e também pode refletir certos aspectos de nossa personalidade. É isso que pretendo discutir aqui hoje.
No primário e no ensino fundamental eu era sempre o carequinha da turma. Odiava aparecer nas segundas-feiras na sala de aula com a cabeça raspada, igual a uma versão afrodescendente do Kuririn do Dragon Ball. Ir todo mês ao barbeiro passar a máquina um na caixola era mais um dos decretos da ditadura materna. Esse era o corte mais limpo, rápido e barato que um plebeu ferrado que nem eu poderia ter. Não gostava muito dele porque me sentia exposto e reluzente que nem uma bola de praia de plástico.


Era curioso quando eles cresciam. Desde os onze anos eu tinha cabelos brancos. Os fios brancos se destacavam bastante entre os fios pretos e eram grossos, semelhantes às cerdas das escovas de dente. Tudo isso contribua para me auto-avaliar como um velho acabado, mesmo sendo ainda tão jovem. Por outro lado eu me divertia fazendo piadas de velho me usando como referência, chamando amigos meus de “meu jovem” e falando frases como “no meu tempo isso não tinha isso”.


Tenho várias teorias para essa minha precoce maturidade capilar, mas a explicação do aparecimento desses fios que considero mais palpável é a do meu estresse prematuro. Eu era estressado demais, graças à Matemática com seus cálculos, fórmulas e números infindáveis. Daí o surgimento dos cabelos brancos. Acho que por esse motivo resolvi estudar ciências humanas e olha que eu era razoavelmente bom em Matemática. Essa habilidade, porém, foi adquirida mais pelo temor de ser reprovado do que pelo prazer de aprender.
O que me incomodava muito era que o meu cabelo, somado ao meu comportamento introvertido, refletiam uma personalidade que nunca tive e que não desejava aparentar. Eu parecia muito sério e zen com o cabelo inteiramente raspado. Isso me incomodava porque minha aparência não mostrava o verdadeiro eu. Sou debochado e despretensioso e por esse motivo fico calado na maior parte das vezes, justamente para não bancar o idiota em momentos sérios, comprometendo toda e qualquer situação mais “adulta”.
O tempo foi passando e na época do ensino médio, me revoltei com essa rotina e parei de ir a barbearia todo mês cortar o cabelo. Durante um tempo deixei a juba crescer e fui a um salão fazer um permanente. Nunca mais repeti a experiência. Não que o resultado tenha ficado ruim; o problema é que não me agradou a experiência de ir a um salão de beleza com atendimento demorado e cabeleireiras tagarelas. Isso além do preço salgado cobrado por uma coisa tão efêmera e descartável que é o cabelo. Desde então faço meu próprio cabelo em casa, usando sempre a seguinte máxima “Se ficar muito ruim, vou ao barbeiro e passo a máquina nele todo”.
Por isso que ele fica sempre irregular. Meu cabelo é cheio de contrastes: algumas partes ficam macias e outras duras, algumas ficam lisas e outras enroladas. Dá-lhe inconstância capilar. É o que acontece quando você resolve brincar de cabeleireiro usando a si mesmo de cobaia. Desconsiderar o fato de não enxergar todos os ângulos da própria cabeça, torna a experiência semelhante à de dirigir um automóvel com os olhos tapados. Outro fato para somar às justificativas da irregularidade do meu cabelo é o de que cada setor da minha cabeça cresce num ritmo diferente. A lateral esquerda, por exemplo, cresce mais rápida do que todas as outras partes. Ao redor da cabeça tenho fios de cabelo de três, cinco ou sete centímetros de comprimento, isso os deixando crescer naturalmente, sem cortá-los. É praticamente uma progressão aritmética. O resultado final de tudo isso é um visual único; não de beleza, mas de pura tosquice.
Em uma época, com o excesso de cabelo nas laterais (e preguiça de cortar), eu prendia o cabelo com uma faixa preta semelhante a do jogador Drogba. Como não tenho o costume de me olhar direito no espelho, demorei para perceber que estava ridículo. Alguém próximo bem que podia ter me avisado, ao invés de ficar me apelidando de Rambo.
Mas acho que eu gosto de andar por aí com o penteado irregular. É legal deixar o pente na gaveta e andar pela rua com o cabelo descabelado diferente de todo mundo que anda com as mechas certinhas e penteadas. Deve ser assim que o Tim Burton e o Robert Smith do The Cure se sentem. Sinto que o cabelo bagunçado com os dedos reflete minha personalidade caótica e louca. E além do mais é bem divertido acordar de manhã com o cabelo para o alto igual ao do Astro Boy, algo que o cabelo curto cortado a máquina jamais permitiria.


Para a conclusão tenho um fato recente e triste para relatar. Minha última experiência capilar deu errado e fui aparar o cabelo na barbearia para ver se consertava o estrago. Na empolgação acabaram deixando meu cabelo curto demais. Com o visual de agora parece até que me alistei para o Exército. Nada contra os militares, mas não é o meu estilo. Não gosto. Pensei que havia deixado claro para a pessoa que só queria cortá-lo um pouco, mas nada disso: ela com a tesoura fez a festa no meu cabelo. Acho que os barbeiros sentem a minha falta de decisão, encaram-na como fraqueza e fazem o que bem querem como se eu não tivesse moral alguma. Ao invés de tratarem-me como a um cliente tratam-me como a um filho mais novo; minhas escolhas são negadas e retorno sempre insatisfeito com o corte de cabelo novo. Ai de mim se eu discordar. Malditos barbeiros. Agora só me resta esperar um mês até crescer tudo de novo. Enquanto isso não acontecer ficarei usando boné como forma de protesto. Se o Tom Morello pode, porque eu não? 


PS: Quanto ao título da crônica, sei que ele está rídiculo. Perdoem-me pela falta de criatividade. Não consegui pensar em um suficientemente bom e coerente para o assunto de hoje.